'Mudou o regime político no Brasil', diz Haddad sobre lidar com Congresso
O ministro da Fazenda, Fenando Haddad, disse hoje que o regime político no Brasil "mudou". Ele se referia à dificuldade em negociar com o Congresso Nacional, que esta semana declarou guerra ao governo ao derrubar o decreto do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). Haddad admitiu decepção com a derrubada do decreto após intensas negociações, mas negou que a decisão do Parlamento tenha antecipado a eleição de 2026.
O que aconteceu
Haddad disse que o Brasil já não vive o presidencialismo clássico. "Mudou o regime político no Brasil. Quem não quiser enxergar... Estou completando nove anos de ministério [contando o período de ministro da Educação]. (...) Mudou o sistema político. Não é o mesmo do Fernando Henrique e do Lula [1 e 2]", respondeu Haddad ao ser questionado na Globo News sobre a dificuldade em negociar com o Parlamento os cortes de gastos da União.
Questionado sobre que regime seria o atual, Haddad citou ironia do ministro do STF, Flávio Dino. Ele disse que "tem quatro sistemas políticos no mundo: o presidencialismo, o parlamentarismo, o semipresencialíssimo e o brasileiro".
Congresso ganhou protagonismo com emendas parlamentares. Após o governo Jair Bolsonaro (PL), o Congresso passou a deter fatia cada vez maior do Orçamento, ganhando independência do Executivo.
Como exemplo, Haddad atribuiu ao Congresso a dificuldade em desvincular o salário mínimo dos repasses para Saúde e Educação. Ele disse que encontra dificuldade em negociar cortes orçamentários mais simples e que a proximidade das eleições inviabiliza a discussão dessa desvinculação, considerada uma das responsáveis pelo aumento da dívida pública.
Ele disse que pediu uma reunião para discutir o tema. "Sugeri uma reunião com [o presidente da Câmara, Hugo] Motta e [com o presidente do Senado Davi] Alcolumbre sobre gasto primário. A gente apresenta estudos, análises, Simone [Tebet, ministra do Planejamento] vem, eu venho, mas precisamos saber o que reverbera aqui dentro [no Congresso] porque estamos há um ano da eleição", disse. "Estou esperando essa reunião."
Se não consigo aprovar essa dúzia de iniciativas, como vamos tratar de temas tão delicados como saúde e educação e desvinculação de salário mínimo?
Fernando Haddad
Eleição antecipada?
Haddad negou que o Congresso tenha antecipado a eleição de 2026 ao derrubar o decreto do IOF. "Não quero crer", disse ele ao citar o dólar em queda, resiliência da economia e a geração de emprego. "A quem interessa estragar esse cenário? Só por questões eleitorais?", questionou.
O ministro também disse que não sabe até hoje por que o Congresso rompeu com o acordo do IOF. Haddad, Alcolumbre, Motta e líderes partidários costuraram em conjunto os termos do decreto e de uma medida provisória para aumento da arrecadação. Embora tenham considerado o encontro histórico, o Congresso derrubou o decreto sem apresentar alternativas para o corte de gastos.
Mas depois do domingo [dia da reunião], não sei o que aconteceu. Não fui informando pelos participantes o porquê da mudança de comportamento.
Fernando Haddad
Haddad também negou ter "saudades" do ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL). Lira seria considerado pelo governo um negociador mais confiável do que Motta. "Eu tenho mais proximidade com o Hugo. O Hugo frequentava o Ministério da Fazenda. Todo mundo sabe quantas vezes almoçou comigo. Não foram uma ou duas vezes."
Haddad na USP
Antes, o ministro deu uma palestra na Faculdade de Direito da USP, em São Paulo. "A desigualdade tem que ser corrigida junto com o ajuste fiscal. Se não, depois a desigualdade será maior", afirmou.
"Historicamente, ajuste fiscal é sinônimo de supressão de direitos no Brasil", disse. "Em geral é quem ganha salário mínimo, é o aposentado. Quando você fala 'vamos corrigir essas contas, vamos chamar a turma da cobertura', aí se espantam, aí o ajuste fiscal não é interessante. Vamos onerar ainda mais quem está pedindo socorro?", disse.
Haddad afirmou que Lula vem consultando ministros para decidir a derrubada do IOF ao Supremo. "O presidente está ouvindo os ministros e vai tomar uma decisão. Ele me ouviu, esta ouvindo outros ministros", disse. Sobre a possibilidade de novas medidas, Haddad disse que vai aguardar primeiro a decisão do presidente.
O governo sofreu uma derrota no Congresso com a derrubada dos decretos do IOF. Os decretos aumentavam a cobrança do imposto para ajudar a fechar as contas públicas. Após a derrota, Haddad disse que uma das alternativas consideradas pelo governo é levar o tema à Justiça.
Não imaginávamos ascensão da direita em tão pouco tempo, disse. Haddad falou sobre o crescimento da extrema-direita no mundo atual e lembrou de seu tempo como estudante da Faculdade de Direito da USP, entre 1981 e 1985, fim da Ditadura Militar. "Não imaginávamos que em tão pouco tempo fôssemos enfrentar a ascensão da extrema-direita. Nossos adversários não estavam mortos e foram angariando força", disse.
Progressistas devem ser opção para transformação social. "O que as forças progressistas estão carecendo fazer é se representar para o mundo com um programa forte de transformação social. Vivemos momentos que colocaram o horizonte utópico na gaveta", disse.