São Paulo aposta na produção de cacau no interior do estado

Agricultores familiares do interior de São Paulo estão investindo para produzir cacau e fazer seus próprios chocolates.
O que aconteceu
Oportunidade para aumentar a renda. Famílias de agricultores de São Paulo são apoiadas pelo programa Cacau SP, com objetivo de ampliar renda e o agroturismo. O estado conta com 60 propriedades com produção de cacau em 38 municípios diferentes.
Programa Cacau SP, que visa fomentar o cultivo do cacau no estado, explorando um novo nicho de mercado, e conta com apoios e parcerias. Tem apoio da SAA (Secretaria de Agricultura e Abastecimento) por meio da CATI (Coordenadoria de Assistência Técnica Integral), em parceria com o ITAL (Instituto de Tecnologia dos Alimentos) e a Apta Regional.
900 campos de futebol são dedicados à plantação de cacau. São de 600 a 700 hectares de terra no estado de São Paulo dedicados ao cacau atualmente, uma área que corresponde a cerca de 900 campos de futebol.
Ideia é unir produção de cacau, chocolate artesanal e turismo. Dentre as iniciativas bem-sucedidas no interior paulista destaca-se o Rancho do Cacau, propriedade em Mendonça, cidade de 6 mil habitantes a 450 km da capital. Ali, uma família de agricultores planta cacau e desenvolve um projeto de produção de chocolates artesanais, com o apoio da CATI. O local é aberto para visitação, o que gera renda também através do turismo.
Somos várias gerações de agricultores aqui na cidade de Mendonça. Meus avós já trabalharam com cítrus, café, pecuária. Através da CATI começamos a inserir a fruticultura com banana consorciado ao cacau. Foi uma oportunidade interessante de produzir duas frutas em um mesmo lugar, o que tem um valor agregado bem alto, e também podemos verticalizar a produção do cacau, fazendo chocolate e turismo. A gente tenta otimizar ao máximo uso da terra.
Diego Francisco Ferreira da Silva, pesquisador e agricultor
Cacau como alternativa à crise da borracha. A ideia de produzir cacau no interior paulista surgiu no final da década de 2000 em um momento de crise da cadeia de borracha, de acordo com Fioravante Stucchi Neto, engenheiro-agrônomo e especialista agropecuário SAA/CATI São José do Rio Preto.
A região de São José do Rio Preto é a maior produtora de borracha do Brasil. O momento de crise da cadeia de borracha nos mostrou que poderíamos buscar alternativas. Nós entendemos que o plantio integrado poderia ser uma alternativa. Nesse momento que a gente começou a pesquisar as possibilidades do cacau. São Paulo já plantou cacau na década de 70, num molde diferente do atual, meio que copiando o que se fazia na Bahia, e não deu certo.
Fioravante Stucchi Neto, engenheiro-agrônomo e especialista agropecuário SAA/CATI São José do Rio Preto
Estamos adaptando o cacau para ser mecanizado em boa parte das ações, como recolhimento, quebra de frutos, poda. Queremos tornar São Paulo um grande produtor de cacau em nível nacional. No ano passado, nossa região ganhou o prêmio de melhor chocolate do Brasil com o cacau intenso 70%. Nós queremos contribuir de verdade com a produção de cacau no mundo, porque nós precisamos de cacau, senão não vai ter chocolate. Essa é a nossa grande pegada.
Fioravante Stucchi Neto, engenheiro-agrônomo e especialista agropecuário SAA/CATI São José do Rio Preto
O cacau se adaptou ao clima de São Paulo?
Não existe uma "receita de bolo" para produzir cacau. Cada área tem peculiaridades próprias de incidência de ventos e tipo de solo, por exemplo. O cacau deve ser plantado a uma latitude de no máximo 20 graus. Os técnicos da CATI visitam as áreas e apoiam os agricultores, capacitando-os.
Desafios são driblados com tecnologia. O déficit hídrico da região é controlado com irrigação. Os ventos frios e secos no outono e no inverno prejudicam a produção de cacau, e para isso se usa tecnologia dos quebra-ventos, que são um dos requisitos quando uma área vai ser avaliada. Já a radiação solar, que é altíssima na região, demanda podas específicas e a produção de outras frutas ajuda no processo, a bananeira, por exemplo, faz sombra para o cacau.
O que nós sempre fazemos não é recomendar que a pessoa saia plantando uma área extensa de cacau, e sim fazer pequenos protocolos, entender a cultura, se adaptar e se ambientar a ela e aí as expansões são naturais. Nós trabalhamos em modelos que vão dar prioridade à integração, por exemplo, com seringueira e cacau, mas também poderia ser açaí e cacau, poderia ser macadâmia e cacau. É interessante como o cacau dá essas possibilidades de integrar outras culturas, mitigando riscos e gerando mais receita com outras culturas, aproveitando bem a mão de obra.
Fioravante Stucchi Neto, engenheiro-agrônomo e especialista agropecuário SAA/CATI São José do Rio Preto
Agricultor não pode ter pressa. Após plantado, o cacau leva por volta de 3 anos para produzir seus primeiros frutos, 5 a 7 anos para atingir a idade adulta e pode ter uma longevidade de 20 a 40 anos.
Família trabalha em função do cacau. "A renda aumentou com o chocolate e as visitas turísticas. Minha mãe trabalha com chocolate há dez anos, eu trabalho nessa área agrícola há cinco anos. Pude conciliar o que a minha mãe gosta, que é a confeitaria, com a área agrícola. A cultura do cacau deu um laço diferente na família", diz Ferreira da Silva.
Ideia é ampliar a área de cacau plantada. Do primeiro hectare, Diego e família já plantaram mais um, e pretendem chegar a 10 hectares no futuro. A propriedade da família ganhou o nome de Rancho do Cacau e atende a visitas turísticas diariamente.
A gente quer muito expandir para nossas outras propriedades e ter o máximo de cacau, mas também queremos trabalhar com outras frutas, para existir uma variedade e porque trabalhar com apenas uma coisa pode se tornar um problema em caso de queda de preço. Trabalhamos com os derivados de cacau também, como a casca, a gente quer fazer uma farinha integral de nibs (amêndoa de cacau torrada, forma mais pura e minimamente processada de cacau).
Diego Francisco Ferreira da Silva, pesquisador e agricultor
Cacau que une
Cacau substitui a cana na produção familiar. A agrônoma e produtora rural Monica Carvalho Munhoz, 62 anos, viu no cacau uma alternativa ao cultivo da cana-de-açúcar, especialidade da família desde o início do século 20, quando os bisavós chegaram à região.
Agora, ela tem 9 hectares de cacau no município de Palmares Paulista, a 200 km da capital. A nova cultura uniu ainda mais a família. Atualmente, a produção de cacau emprega ela, duas irmãs, o filho, a sobrinha, que é a chocolate maker da família, e até o marido, que é médico pediatra, mas costuma ajudar.
Sou a 5ª geração de agricultores da família e meu neto é a 7ª. Nós pretendemos trabalhar e viver pelo cultivo sendo agricultores. Meu forte é a cana-de-açúcar, mas, como eu sou agrônoma, sempre tive o desejo de procurar novas opções, trazer novas culturas para sair realmente dessa estrutura de monocultura da região. Plantar cacau mudou a vida da família toda, principalmente devido à fábrica de chocolate nos unimos mais, nós trabalhamos juntos agora, temos projetos em comum.
Mônica Munhoz, agrônoma e agricultora
Foco no turismo. Mônica e a família acabaram de abrir um espaço para visitação rural que faz parte de um projeto de turismo pedagógico e de agroturismo. O espaço conta com um café que funciona aos sábados e domingos, chamado Café Terê.
Esse espaço trouxe até uma alegria para os moradores daqui, que agora podem ter um lugar bonito para visitar, que oferece um serviço bem diferente do que é a tradição da cidade. O que me inspira é a possibilidade de abrir essa fronteira e ter diversidade na agricultura, para que possamos ter um cacau próximo à indústria, que é muito forte no estado de São Paulo.
Mônica Munhoz, agrônoma e agricultora
Combate a escassez de cacau. Os produtores são unânimes ao dizer que não pretendem competir com o cacau da Bahia e da Amazônia, mas que são parte do esforço para combater a escassez do cacau. "Estamos muito felizes de plantar cacau e fazer parte desse projeto pioneiro de cacau paulista. Corremos riscos, mas é gratificante porque é um desafio. Não queremos competir com a Bahia nem com a Amazônia, mas queremos ter nossa própria identidade", avalia Munhoz.
Mundo vive uma escassez global de cacau. Por causa de mudanças climáticas, doenças nas plantações e baixos investimentos, a produção caiu e o preço aumentou. Uma "taxa cacau" foi instaurada para a commoditie no ano passado, quando o preço do fruto que dá origem ao chocolate começou a subir.
No Brasil, a alta também foi expressiva: na Bahia, principal estado produtor, a arroba da amêndoa (equivalente a 15 quilos) foi cotada a R$ 720 no dia 20 de junho de 2025, conforme o portal Mercado do Cacau. Segundo o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), o preço do cacau.acumula alta de 11,99% em 2024. Para fins comparativos, em março de 2024, a arroba era negociada a cerca de R$ 660 na região de Ilhéus, o que mostra uma valorização de aproximadamente 9%.